sexta-feira, 18 de abril de 2008

Google: Info(com)plex

Chegou, viu e venceu.

Em poucos anos, o portal de busca criado para efeito de doutoramento por dois engenheiros informáticos americanos (Sergey Brin e Larry Page) tornou-se um colosso à dimensão da infinitude que a expressão "Google" pretende traduzir.

Num contexto em que a maior parte dos portais se erguia numa lógica de excessiva preocupação gráfica e com serviços de busca baseados em directórios complexos a Google surgiu no seu estilo minimalista e simples.

Enquanto que portais com Yahoo e Altavista centravam as suas pesquisas segundo critérios meramemente quantitativos (o ranking das páginas era estabelecido consoante o número de visitas) a Google foi o primeiro a estabelecer a ordenação por intermédio de critérios subjectivos. As preferências dos utilizadores, que faziam hiperligações para os sites de maior interesse passaram a definir a ordem de aparecimento das páginas na pesquisa e isso fez toda a diferença.

A proliferação online da Google deveu-se também à adopção de uma filosofia "user-friendly" (amiga do utilizador). Tudo é simples na Google. Menus básicos, cores simples mas apelativas, linguagem acessível e quase informal. A nível laboral a Google tornou-se a empresa mais apelativa para ingressar. Na Google não há horários, há objectivos. Na Califórnia, no Googleplex, complexo de 42 mil metros quadrados onde está sediada a empresa, as refeições são grátis, os funcionários podem levar os animais de estimação, há ginásios, infantário, piscinas, campos de volley. Cada funcionário trabalha para a Google mas tem incentivos para desenvolver projectos próprios.

Sem dúvida uma filosofia notável.

Porém o crescimento da Google é tão notável quanto assustador. O volume e a diversificação dos seus projectos têm tornado esta empresa possuidora de informação priviligiada. Até onde poderá ir o poder da Google?

Ao longo da história da humanidade a estratificação social e as próprias relações de poder têm-se definido pela posse/domínio/controlo de determinadas variáveis.

Durante todo o processo de hominização a força, as capacidades físicas sempre foram o factor que permitiu o estabelecimento de relações de poder. Foi também por demonstrações de força que se fundaram os grandes impérios Egípcio, Persa, Grego, Romano entre outros.

Por sua vez as propriedades latifundiárias, a posse de terra tão característica do regime feudal que definia quem era senhor e quem era vassalo e prestador de serviços, quem tinha poder de decisão, quem tinha legitimidade de proclamar guerra.

Com o advento do capitalismo financeiro tudo mudou. A sociedade passou a estruturar-se pela sua posição no processo de produção, o patronato possuidor de capital passou a ter poder de decisão sobre o proletariado operário.

Desde o último século, com especial impacto desde a década de 70 a posse de energias não renováveis tem sido o recurso escasso que mais poder tem conferido a uma pequena oligarquia decisora.

De todas as variáveis o saber será concerteza aquela mais transversal a todos os períodos históricos, quer estejamos a falar nos sofistas, nos copistas monásticos, quer nos investigadores científicos.

Aquilo que sucede com o advento das novas tecnologias é que o saber livresco e literário tem dado lugar a uma nova cambiante de poder: a informação.

Ter informação é ter poder, ter informação privilegiada pode tornar-nos milionários ou evitar o nosso colapso em bolsa (inside-trading), ter informação permite-nos tomar decisões com um controlo seguro das suas repercussões, ter informação permite-nos efectuar os melhores negócios, ter informação secreta permite combater células terroristas, ter informação permite debelar vírus e doenças contagiosas.

Numa componente governativa ou empresarial a informação assume proporções ainda mais relevantes. É tão essencial para uma empresa saber para quem comunica e vende produtos, através de estudos de mercado como para um Governo saber para quem governa.

Uma base de dados tão complexa como aquela que é o CENSUS reveste-se de uma importância crucial. Saber se a população é maioritariamente idosa, que as as famílias são monoparentais, que os agregados familiares têm na maioria três pessoas, que a maior parte da população jovem se encontra no litoral, que a maioria da população tem casa própria permite uma maior eficácia na afectação de recursos e na definição de políticas.


Agora imaginemos uma base de dados incomensuravelmente maior.

No portal Google, cada vez que premimos um conjunto de caracteres e carregamos na tecla "ENTER" estamos a alimentar a base de dados mais completa do mundo.

Através de redes sociais como o Orkut a Google sabe o nosso estado civil, que amigos temos, o que gostamos de fazer, onde gostamos de ir, o que gostamos de ver, que livros lemos, quais as nossas preferências religiosas e até sexuais. A Google sabe os produtos que pretendemos comprar (google-adwords), sabe a instituição onde estudamos, onde trabalhamos, os locais de diversão onde pretendemos ir, qual o destino de férias para onde pensamos ir, a Google tem acesso aos nossos pensamentos (blogger), à nossas preferências televisivas e de ócio (youtube) aos nossos projectos e trabalhos (google docs), aos nossos albuns de família (Picassa), ao nosso espaço doméstico, à nossa intimidade.

Não pretendo fazer qualquer teoria conspirativa mas apenas levar a uma reflexão profunda. É tão lícito confiarmos no maior portal global como levantar algumas questões sobre a posse hegemónica de informação privilegiada sobre cada utilizador. Nenhum departamento, empresa, serviço policial, Estado possui tamanha informação.

Actualmente a Google possui agregadas mais de 1,3 biliões de páginas e tem um volume de pesquisas de cerca de 100 milhões por dia com clara tendência para crescer uma vez que assistimos a uma tendência para a democratização no acesso às Tecnologias de Informação.

Apesar da sua importância o mundo da internet e da segurança e protecção de dados ainda não tem a mesma paridade perante a lei se comparada com outros domínios sociais. Por enquanto a Google está bem entregue sendo um projecto originalmente inovador, criativo, inspirador de confiança.

Mas até quando a Google deixará de ser um precioso aliado para ser um perigoso inimigo?

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