quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Tratado Lisboa: Europa Global


O Tratado de Lisboa representa muito mais do que um simples acordo.


Não restava mais margem de manobra para a União Europeia.


Nos dois anos que se seguiram à rejeição da Constituição Europeia pela Holanda e França, por intermédio de referendo, a UE viveu um dos maiores impasses desde a sua fundação.


A solução para a inércia europeia passou em muito pelo Tratado de Lisboa. O novo acordo europeu modificará os antigos tratados de Maastricht e Roma e será um acordo mais operacional que irá dotar os parlamentos nacionais de maior poder e a união de personalidade jurídica própria.


A grande questão em torno deste Tratado é o papel geopolítico da Europa no futuro.


A abertura da União Europeia a novos Estados-membros e institucionalização de um acordo que permite uma politica comum traduz um receio de perda de influência global. Não sendo o Tratado de Lisboa a solução para esse decréscimo de influência do velho continente ele poderá ser uma entre várias soluções.


Recuando atrás na história a Europa viu o seu papel hegemónico ser destronado no pós Segunda Guerra Mundial.


Destruída e com necessidade de reconstrução a Europa abriu-se ao apoio norte-americano, nomeadamente ao plano económico denominado de "Plano Marshall".


Com os recentes processos de globalização a figura do Estado-Nação tem vindo a perder peso. A regulação das questões de fundo tais como economia, cultura, mercados deixou de ser feita à escala local mas sim global, isso implica uma perda de influência das instituições locais/regionais (incluindo Governos) e um crescente papel decisor das instâncias transnacionais como são os casos de ONU, FMI entre outros.


É precisamente neste ponto que reside a importância do Tratado de Lisboa. Caso a União a 27 insistisse em políticas individualizadas para cada nação, preterindo uma espécie de federalismo, a sua preponderância enquanto decisor global sairia penalizada.


Com uma política comum, ou seja, tendo uma Europa a uma só voz para as questões económicas, energéticas, politicas de imigração, gestão de recursos e comércio terá um peso de negociação muito maior. Em caso de não concretização o Tratado de Lisboa abriria espaço de manobra a um bloco de países com economias emergentes (China e Índia) o que poderia redundar na relegação da Europa para terceiro ou quarto player mundial.


Foi precisamente esse aspecto que José Sócrates sublinhou após a cimeira de Lisboa «uma Europa mais forte para enfrentar as questões globais, para assumir o seu papel no mundo».


Resta-nos saber se o Tratado de Lisboa será «porreiro pá!».


sábado, 13 de outubro de 2007

Al Gore: Uma Vitória Inconveniente


"O que a nos pertence a nós retorna". A figura de Al Gore poderia muito bem ser traduzida por esta expressão.



O ex-vice presidente da administração Clinton (1993-2001) foi lançado para a ribalta politica quando, no ano de 2000, foi eleito nas primárias para ser o candidato democrata à Casa Branca.


Nesse mesmo ano enfrentaria o candidato republicano, George W. Bush, numas eleições que levantaram fortes suspeições sobre a autenticidade do acto eleitoral e descredibilizaram o sistema politico americano.


Sistema Eleitoral Americano: Al Gore Versus George Bush

O sistema eleitoral americano tem determinadas particularidades que convém dissecar.


Para que um candidato vença as eleições ele tem que conseguir eleger, no mínimo, 270 dos 538 deputados para o Colégio eleitoral.


Cada Estado Americano terá os seus deputados eleitos numa razão proporcional à sua população. Este factor redunda numa grave fragmentação do país, sobretudo entre litoral e interior, dado que nem todos os Estados têm o mesmo interesse político.


Se uma vitória na Califórnia representa a eleição de 55 deputados, Texas (34), Nova Iorque (31), Flórida (27) outros Estados do interior raramente ultrapassam a fasquia dos 10 deputados. Devido a este facto, a luta mediática pelos votos é feita sobretudos nos grandes aglomerados urbanos, deixando o restante país relegado ao esquecimento.


Acontece que a vitória nestes Estados é crucial para a concecussão da vitória eleitoral. A titulo exemplificativo, caso o candidato Democrata vença na Califórnia ele conseguirá eleger 57 deputados sendo que o candidato Republicano não irá eleger nenhum.


É precisamente este sistema proporcional que causa maior estranheza. Nos Estados Unidos um candidato poderá ter a maior quantidade de votos efectivos mas ser o derrotado das eleições dado que perdeu nos Estados mais representativos.


Foi precisamente isto que aconteceu, em 2000, nas eleições que opuseram Al Gore a George W. Bush.


Embora o candidato Democrata (Al Gore) tenha atingido 48,31% (50.158.094 votos) e George Bush apenas 47,99% (49.820.518 votos), Bush conseguiria eleger 271 deputados face aos 267 de Al Gore.


Envolto em suspeitas, sucessivas recontagens de votos e acções legais, o Estado da Flórida seria o decisor, em favor de Bush, das eleições de 2000.


Al Gore: Take 2

Porém, o grande mérito de Al Gore foi perceber que o processo de legitimação política não se esgota na chegada à presidência.


Tidos como poderes sociais crescentes, a acção cívica e a participação social pró-activa ganham terreno à participação política. Al Gore tem-nos usado para difundir a sua mensagem pró-ambiente.


Al Gore inverteu mesmo a lógica do processo de comunicação política. Enquanto que a grande tendência desse processo é fragmentar os públicos de acordo com os seus interesses (para mais fácil controlo), o ex-vice presidente americano lançou um repto colectivo no qual só uma acção conjunta poderá salvar o planeta.


Mas não só nos aspectos supra-referidos Al Gore é um visionário. Para difundir a sua mensagem Al Gore apoiou-se nas novas plataformas de comunicação: a internet, sobretudo através do vídeo.


Primeiro ao promover a espírito de iniciativa do cidadão-repórter através da sua Current TV. Depois através de um filme que a espaços quase parece um Home made movie.


Num contexto em que o Youtube se afirma como um colosso da comunicação global Al Gore compreendeu a filosofia que está por detrás dele. O seu filme/documentário "Uma Verdade Inconveniente" está impregnado por essas características.


A uma comunicação política institucionalizada, rígida, formal, Al Gore contrapôs um documentário narrado num estilo informal, quase familiar. E por entre suspiros e uma voz embargada Al Gore fez o que poucos políticos conseguem: colocar-se ao mesmo nível que o povo mostrando que a luta ambiental depende de todos e de cada um.


O seu documentário tem uma dose propagandistica subliminar.


Paralelamente à luta pelo ambiente, "Uma Verdade Inconveniente" serve como plataforma de promoção a Gore. Ao longo de pouco mais de 100 minutos o filme alterna entre a situação ambiental do globo e o papel que Al Gore tem tido na sua defesa ao longo do seu trajecto político. No fundo o documentário pretende associar a figura do ex-vice presidente a uma das temáticas de maior acuidade actual. Os objectivos foram claros tornar Al Gore a figura proeminente do movimento pró-terra e consequentemente torná-lo numa figura de relevo na agenda mundial.


Al Gore tornou-se um autêntico "Globetrotter ambiental" promovendo ciclos de conferências nos quais alertava os diferentes países para as consequências nefastas das alterações climáticas.


Talvez o maior mérito de Al Gore foi ter persuadido a indústria global que, todos nós sabemos, é quem mais tem contribuído para as emissões de dióxido de carbono para atmosfera.


Al Gore conseguiu perpassar a mensagem de que o crescimento económico não se poderia alcançar a qualquer custo e que seria mais vantajoso para as economias mundiais optarem por tecnologias pró-ambiente do que remendar os crescentes malefícios provocados pelas emissões. Al Gore colocou definitiva e irremediavelmente o ambiente na agenda política.


O filme de Gore tornou-se mesmo o 3º documentário mais vendido nos Estados Unidos e seria, sem grande surpresa, que Davis Guggenheim receberia o óscar da academia pela sua realização.


2007 foi o ano de consagração de Al Gore. Aos inúmeros galardões recebidos pela sua campanha, Al Gore recebeu a distinção do prémio Nobel para a paz um prémio que partilhará com a GIEC, um grupo da ONU que se ocupa igualmente das questões ambientais.


«Este é o problema mais perigoso que temos de enfrentar, mas temos também a grande oportunidade de mudar algo. (..) Temos de arranjar uma forma rápida de mudar a consciência do mundo em relação a este tema importante» sublinhou Al Gore.


Numa altura em que George W. Bush bate, segundo uma sondagem da Associated Press-Ipsos, os níveis mínimos (31% de aprovação) que um Presidente jamais teve nos Estados Unidos Al Gore vê reposta a justiça que faltou ao processo eleitoral de 2000. Muitos analistas conjecturam uma possível candidatura de Al Gore às próximas eleições de 2009. Mas mesmo que não se candidate Gore arrisca-se a ficar lembrado como uma das figuras deste século.


Gore confirma uma das máximas mais consensuais. Não importa o poder que se tem mas sim o que se faz como ele. O Nobel atribuído a Gore é sem dúvida uma vitória inconveniente para muita gente.


Tal como comecei "o que a nós pertence a nós retorna".


Num próximo artigo analisarei o documentário "Uma Verdade Inconveniente" sob a perspectiva da comunicação.


Terry Mosher The Montreal Gazette


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sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Madeleine: Gone Baby Gone


Gone Baby Gone. São tantas as coincidências entre este filme e o caso Madeleine que chegam a torná-lo perturbador.



O filme é baseado num livro escrito por Dennis Lehane em 1998; um filme com argumento e realização do estreante Ben Affleck.



O filme teve a sua estreia no Deauville Film Festival em França no dia 5 de Setembro e já passou pela Rússia, Holanda e México. A estreia nos EUA ocorrerá dia 19 de Outubro, o resto do mundo conhecerá o filme até meados de Fevereiro de
2008.


Toda a história se desenvolve a partir do desaparecimento de uma criança de quatro anos. Coincidência ou não, a actriz que dá corpo à menina desaparecida dá pelo nome de Madeleine O'Brien.


Embora filmado há um ano, as semelhanças entre a actriz e a menina desaparecida em Portugal são arrepiantes.


O filme conta com as participações de Casey Affleck, Michelle Monaghan, Morgan Freeman e Had Harris e relata a história do rapto de uma criança na cidade de Boston.


O thriller centra-se nos trabalhos de investigação de dois detectives que suspeitam que a criança terá desaparecido após ter sido deixada sozinha em casa.


Devido às enormes coicidências o filme já levou a uma reacção dos McCann o que obrigou a Miramax (produtora) e a Buena Vista Internacional (distribuidora) a adiar a estreia do filme no Reino Unido marcada para dia 26 de Outubro.


«Apercebemo-nos de que existe uma família e um país que foram expostos a esta estória e estão envolvidos emocionalmente com ela». Ben Affleck revelou ainda que a produtora «achou que estaria no limiar do mau gosto e decidiu adiar a estreia até que a situação acalmasse».


O adiamento do filme no Reino Unido mereceu já reacções e agradecimentos a Ben Affleck por parte do assessor de imprensa do casal McCann, Clarence Mitchell «Nós agradecemos por ser cuidadoso e sensível o suficiente à situação de Gerry e Kate, para tomar esta decisão comercial. Evidentemente esperamos que a Madeleine venha a ser encontrada muito em breve para permitir que Kate e Gerry sigam com a sua vida, e o filme possa seguir também ele o seu caminho».




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sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Neoterrorismo


Imagine uma partida de damas. Mandam as regras que cada jogador tenha peças de uma só cor. Não há qualquer dificuldade em identificar as suas peças e as pertencentes ao adversário.


Agora imagine que as regras mudaram e que, mandam agora as directrizes, cada jogador deve jogar com metade de peças brancas e a outra metade preta. Com o decorrer do jogo como é que as irão distinguir? Quais pertencem a quem?


Aparentemente infundado o exemplo é uma alegoria às novas técnicas de fazer guerra, em suma, ao novo terrorismo: o Neoterrorismo.


Se no passado os confrontos eram frontais, disputados entre dois Estados, exércitos ou facções rivais, ambos geograficamente identificáveis e territorialmente distanciados com o surgimento do Neoterrorismo tudo isso mudou.


O primeiro ponto pretende-se com a organização dos dissidentes. À estrutura convencional em bloco de um exército contrapõe-se a estrutura em rede adoptada pelas organizações terroristas. Embora igualmente hierarquizadas estas redes actuam recorrendo a múltiplas células autosuficentes disseminadas por todo o globo.


O grande dilema no combate ao novo terrorismo é que o plano militar é, cada vez mais, secundário.


Não existe nenhum exército capaz de derrotar um inimigo que está omnipresente, que não se enclausura no seu próprio território até o último bastião cair. O combate deixou de ser focalizado, não há uma frente de batalha, mas sim milhares de frentes prontas a eclodir, em qualquer parte do mundo. Já não existe um período temporal definido, o combate é sazonal.


O recurso a uma guerra mediante os métodos tradicionais, Paleoguerra, um conceito de Umberto Eco, tornou-se obsoleto. Será impossível a um exército combater em todo o mundo e a supremacia bélica deixou de ter capital importância para a consecução da vitória.


O combate deixou de ser travado pela força mas sim pela informação.


Ponto dois. O inimigo está entre nós.


Deixou, muitas vezes, de ter uma nacionalidade diferente da nossa, deixou de usar uma caracterização militarizada com insígnias do inimigo, estuda nas mesmas universidades que nós, partilha os mesmos transportes, o mesmo bairro. O Neoterrorismo está disseminado bem no interior das sociedades ocidentais.


Os inimigos deixaram de ser os Afegãos ou os Iraquianos mas células terroristas compostas por membros multi-étnicos.


Como combater um inimigo sem resto, sem localização precisa?


Só com forças policiais dotadas de serviços de investigação e espionagem será possível prever ataques e desmantelar, à raiz, células terroristas. A guerra é feita por antecipação, uma guerra preventiva nomeadamente no combate ao financiamento bancário e tráfico de armas. Em tudo o Neoterrorismo aproveitou as brechas deixadas pelo capitalismo moderno: mobilidade, facilidade de procedimentos, operações via electrónica.


Ponto três. O Inimigo sairá sempre vencedor.


Independentemente de objectivos prioritários, o principal intuito de uma organização terrorista é disseminar o medo no seio das sociedades.


Tendo o neoterrorismo uma forte componente psicológica , o inimigo aproveita a mediatização das sociedades que ataca e granjeia da redifusão massiva que os atentados têm nos media para espalhar o temor. É publicidade gratuita.


Mesmo que o seu atentado falhe, a simples difusão de noticias sobre os planos gorados perpassarão o medo para as populações.


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